segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Espetáculo no Povo Novo

"Distinta e culta platéia..." anunciava Acy Portella no início de mais um espetáculo. O salão "Flor do Povo" estava repleto, muitas crianças, adultos, agriculturores, pessoas simples. A safra de cebola, que havia sido farta, já havia sido vendida. Agora o povo queria diversão. Era verão e a noite estava bem agradável. O tratamento especial à platéia era típico de Acy, fosse sua apresentação em um grande teatro ou num salão de alguma zona rural.

As crianças ficavam vidradas vendo os bonecos. O casal de caveirinhas estava em cena. A música que cantavam dizia assim "Duas caveiras que se amavam... e na porta do cemitério a meia noite se encontravam..." Logo aparece Picolé (o boneco pretinho) que contracena com as terríveis criaturas: "Me respeite Picolé" diz uma das caveiras. "Mas você nunca se importou comigo" respondeu o boneco rebelde. " Não faz assim Picolé". Assim seguia a discussão entre os personagens. Dona Antônia, que estava na platéia, incrédula com os movimentos de Picolé disse: "Mas como esse menino consegue torcer tanto o pescoço?" As pessoas ao seu lado acharam graça da ingenuidade de Dona Antônia que pensou que dentro dos bonecos haviam crianças.

O "galã" do espetáculo era o boneco Gilnei. Acy anunciava sua apresentação: "Cantarás Senhor Gilnei?" - "Cantarei Senhor Acy" O boneco então começava a cantar uma paródia de "Noite cheia de estrelas" de Cândido das Neves cuja letra começava assim" Noite Alta , céu risonho a quietude é quase um sonho..." Gilnei cantava " Noite alta, céu risonho, se tens fome como um sonho"... A platéia adorava! Outra música que Gilnei também cantava era "Jurema", um samba que dizia: " Ainda que estejas no céu querida Jurema, hei de sempre te amar... nada existe no mundo que venha nos separar...nas letras da minhas estrofes eu depositei o que a alma sentia... e minha alma que sofre escreveu minhas rimas pensando em ti.."

Gilnei fazia o maior sucesso. Para a boneca Rosinha ele cantavava "O que que a baiana tem" Aliás, Gilnei tinha um sotaque todo peculiar, ao invés de dizer "tem" ele dizia "taim". Na música "Rasguei Teu Retrato", também de Cândido das Neves, há uma parte que diz "eu ontem rasguei teu retrato" e o boneco cantava "eu ontem rasguei teu retrati".

Mais uma vez havia a participação dos músicos do Povo Novo. Eram agricultores que de vez em quando se reuniam para tocar alguma coisa. Começaram a tocar a marcha fúnebre em ritimo de samba. Moradores locais também participaram num show de calouros, especialmente as moças. Ganhavam pequenos prêmios como sabonetes, pasta de dentes, perfumes. Era a década de 1940, todos os verões lá estava Acy Portella para apresentar seu espetáculo no Salão do Povo Novo.

Numa dessas apresentações conheceu o escritor Arnold Lopes Duarte Coimbra. Arnold havia publicado os livros "Bazar de Emoções" e "Folhas Mortas" na década de 30,passava sempre os verões no Povo Novo com a família e sempre assistia os espetáculos de Acy. A empatia foi imediata, tanto que Acy declarou: "É a primeira vez que encontro aqui alguém com tanto nível cultural!". Era o início de uma grande amizade.

(Nossos gradecimentos ao grande cartunista Arnold Coimbra pelas informações)

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